Imagem 1 - ilustração de pinturas em cavernas dos povos pre-históricos
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Discutir
o gosto alimentar dos povos
pré-históricos representa um desafio. Por definição, esses povos não
deixaram registros escritos de seus gostos e aversões.
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Pelos
restos de comida é possível demonstrar o que as pessoas comiam, e, pelo descobrimento de itens como
lareiras, fornos, panelas e utensílios, é possível ter uma ideia de como a comida era preparada e
consumida. Contudo, não é tarefa fácil tentar entender por que as pessoas escolhiam o que comiam e se
gostavam do que comiam.
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Os
arqueólogos usam várias linhas de evidencia para estudar esse assunto tão
complicado que é o gosto: cultura material, resíduos de comida, evidencia
estrutural, contexto ambiental, analogias etnográficas, arte, conhecimento
medico e restos mortais em si.
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Rebanhos de leite são diferentes de rebanho de corte ou produção
de lã, por exemplo. Tais escolhas são influenciadas por questões econômicas e
de meio ambiente, mas também por preferencias culturais e alimentares.
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O
abate é uma pratica tão
enraizada culturalmente que, até os dias de hoje, revela claramente diferenças regionais e pode se relacionar a costumes
da época e gosto em consumo de carne.
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O contexto do consumo de alimentos revela
muito mais sobre a cultura, os costumes e o paladar.
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Como saber quais alimentos eram
selecionador pelo sabor e quais por necessidade? As duas coisas podem estar fortemente relacionadas.
Temos a tendência de desejar o que realmente necessitamos. Por exemplo, temos
vontade de comer doces quando necessitamos rapidamente de energia. Contudo,
muitos gostos, proibições e costumes podem, na verdade, ser revelados pelas
opções alimentares aparentemente ilógicas de certo povo.
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A cultura ocidental moderna está muito
distante do tipo de sociedade existente na pré-história.
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Povos
“primitivos” recentes e modernos não são povos pré-históricos e não estão
preservados em formol. Suas culturas são dinâmicas e influenciadas pelas
mudanças circulantes. Ademais, o meio em que as culturas primitivas
sobreviventes existem nem sempre é uma boa analogia do passado.
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O paladar de nossos ancestrais mais antigos
pode ter sido muito diferente do nosso.
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Em relação a gosto, as implicações são obvias e simples.
Os povos pré-históricos tinham estômago para coisas que não comeríamos hoje em
dia. Eles comiam com regularidade alimentos que hoje consideraríamos
estragados. Pode-se demonstrar que comiam alimentos semiapodrecidos, mas será que apreciavam o sabor? É bem
provável que sim. Ao pesquisar a história da domesticação de cavalos no
Cazaquistão, este autor conheceu um criador local que lhe ofereceu uma tigela
de koumiss, bebida feita de leite de
égua fermentado. Para o paladar ocidental moderno, o sabor é bastante repulsivo
e provoca todas as reações naturais do corpo à comida estragada. Os cazaques
tradicionais o adoram. Perguntamos por que o criador não consumia o leite de
égua fresco. A resposta é obvia: eles não tem como conservar o leite fresco em
geladeira. Contudo, obviamente nunca havia pensado nisso, e pausou antes de
responder que leite fresco não tem gosto algum.
Imagem 2- representa a extração do leite de égua,
futuro Koumiss, a bebida tanto apreciada pelos Cazaques
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É
certo que alguns povos pré-históricos
poucos estocavam alimentos, mas também há evidencia de vários métodos de armazenamento, como defumação
e secagem.
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Gosto é uma questão de costume.
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O
uso inicial de fogo para calor e cozimento é atribuído ao Homo ergaster/erectus. O sitio antigo mais famoso com evidencia do
uso de fogo é a caverna de Zhoukoudian, na China, datada entre 500 mil e 240
mil anos atrás. Deixando de lado a biologia evolucionaria, a introdução do
cozimento leva nitidamente a discussão de gosto a um novo patamar. Dali em
diante, as pessoas não só escolhiam o que comer, mas também como cozinhar a comida. Para o Homo
ergaster/erectus essa escolha pode ter se limitado a cru ou bem passado,
mas a tecnologia e variedade de métodos de cozimento logo teriam uma influencia
tão grande nas decisões de gosto quanto aos ingredientes usados.
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Pode-se
concluir seguramente que as fontes de gordura eram importantes e muito apreciadas pelos povos pré-históricos.
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Os
caçadores-coletores pré-históricos não só gostavam de gordura como também
tinham preferencias por tipos específicos de gordura.
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Podemos
estar certos também de que os caçadores-coletores da pré-história gostavam de doces. Não é atoa
que as papilas gustativas para doçura se encontram na ponta da língua. Sua
presença ali é uma característica adaptativa de nossa evolução.
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Na
pré-história, o açúcar
viria de frutas e bagas, mel, seiva de bordo e de outros extratos de plantas. É
bastante fácil colher bagas que podem ainda ser estocadas depois de secas.
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A
coleta de mel sempre
foi bastante arriscada, já que as abelhas são perigosas, principalmente na
ausência de roupas apropriadas. É provável que o uso de fumaça para acalmar as
abelhas seja uma técnica tradicional.
Imagem 3 - pintura rupestre da gruta da Aranha, em Bicorp (Espanha),
mostra uma cena de coleta de mel enquanto as abelhas revoam ao redor.
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A terra não era a única fonte de nutrição na pré-história. O mar é um fornecedor excepcional de alimentos,
incluindo mamíferos marinhos, peixes, moluscos, moluscos, crustáceos e até
algas marinhas.
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O
que está claro é que frutos do mar são apreciados e valorizados há tempos. A
exploração de recursos
marinhos e costeiros provavelmente desempenhou papel fundamental na
colonização pré-histórica de varias partes do mundo.
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Conforme
a agricultura foi se
espalhando, aumentou também a disponibilidade de carboidratos, que além do mais
podiam ser estocados para consumo ao longo do ano.
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Existem
alguns lugares no mundo em que as
pessoas descobriram, de forma independente, como plantar para comer como Oriente Próximo, América
Central e China. Foi no Oriente Próximo, há 10 mil anos, que cereais como trigo
e cevada foram domesticados pela primeira vez. Entre 9 e 8 mil anos atrás,
alimentos importantes como milho e feijão foram cultivados pela primeira vez na
América Central e o arroz na China.
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Nos
centros de domesticação, as versões selvagens das culturas já tinham grande
influencia na dieta das pessoas antes do advento da agricultura. Contudo, nas
áreas onde a agricultura foi introduzida, esses alimentos seriam uma verdadeira
novidade.
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No que se refere ao gosto, é interessante saber até que ponto
lidamos com agricultores que se mudam e colonizam novas áreas ou com pessoas
nativas que adotam novos alimentos e sabores. Os registros arqueológicos
indicam nitidamente que ambas as coisas aconteceram, dependendo do local e da
época. O que está claro é que alguns grupos adotaram novos alimentos a ponto de
excluir outros possíveis recursos.
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(Quanto
às culturas ocidentais modernas), gostamos de carboidratos e apreciamos ainda
mais os doces. Do final do século XIX em diante, o açúcar, refinado tornou-se
largamente disponível em grandes quantidades. Nosso gosto por doces nos levou a
consumir grandes quantidades de açúcar, paralelamente a uma dieta rica. O
resultado é obesidade e diabetes. O gosto pré-histórico por dietas ricas em
carboidratos pode ter ocasionado problemas de saúde no passado, mas atualmente
estamos diante de situação semelhante.
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A
criação de animais surgiu pouco depois da agricultura. Cabras, ovelhas, gado e
porcos foram domesticados no oriente próximo, entre 8 mil e 9 mil anos atrás.
Cavalos e camelos-bactrianos foram domesticados na Ásia Central entre 5 mil e 6
mil anos atrás. Aparentemente, os cavalos foram, de inicio, domesticados para
alimentação. É provável que galinhas tenham sido domesticadas no Sudeste
Asiático por volta de 8 mil anos atrás, seguidas pelos patos cerca de 3 mil
anos depois.
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A
adoção da produção de laticínios
está intimamente ligada a uma questão de gosto. Se olharmos as pessoas do mundo
de hoje, encontraremos grupos, incluindo muitos do Extremo Oriente e outros em
regiões da África, por exemplo, que simplesmente detestam leite. Por trás de
tal aversão há um problema digestivo. Eles são intolerantes à lactose, o açúcar
do leite, porque não tem habilidade de produzir lactase, a enzima que digere a
lactose. O leite, então, lhes provoca náuseas. Entretanto, habitantes do
noroeste da Europa e muitos outros grupos tem altos níveis de tolerância a
lactose. Isso é claramente uma adaptação evolutiva local. O mais interessante é
que todos os nossos primeiros ancestrais tinham intolerância à lactose quando
adultos. Os humanos, como muitos outros mamíferos, perde a habilidade de
digerir o leite após o desmame. A grande questão é como os humanos superaram
esse problema em varias regiões para criar economias baseadas em laticínios. Se
todos os humanos tinham aversão natural ao leite, quem foi o primeiro a
experimentar ingeri-lo e por quê? Como esses grupos desenvolveram o gosto por
uma dieta de laticínio?
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É
difícil determinar a idade das bebidas
lácteas fermentadas, como koumiss (do
leite de égua), shubat (do leite de
camelo) e kefir (do leite de vaca),
mas é bem provável que coincida com as origens da produção de leite em si, pois
provavelmente era bem difícil evitar que o leite fermentasse.
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É
impossível saber o que os povos pré-históricos achavam do sabor das bebidas
alcóolicas. Hoje em dia é comum dizer que tais bebidas são um gosto
“adquirido”, e a tendência é adquiri-lo por razoes sociais. O mesmo pode ser
verdade na pré-história.
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O sal,
o mais conhecido de todos os temperos, é muito difícil de ser estudado em
termos arqueológicos. Sendo solúvel, tende a não deixar vestígios, e não há
meio de identificar seu consumo a partir do estudo de esqueletos humanos;
dependemos do descobrimento de lugares onde o sal era produzido. O sal de rocha
pode ser minerado, mas o mais comum é a produção de sal pela evaporação da água
do mar, de lagos salgados ou de fontes salobras. Em climas adequados, a
evaporação solar é possível.
Imagem 4 - Shubat (leite de camelo)
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O sal
era bastante valioso, mas não se sabe bem o por quê. Além de ser um tempero,
era também um conservante. E evidente, contudo, que a comida salgada fazia
parte da dieta pré-histórica.
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É
ainda mais difícil avaliar arqueologicamente o uso de ervas e especiarias. Há varias plantas usadas
como condimento, muitas até hoje. (...) tabuas de escrita linear B de Micena
fornecem algumas das evidencias mais antigas de seu uso. Elas se referem ao uso
de sementes de coentro, cominho, funcho, gergelim, aipo, menta e outras ervas e
especiarias. É evidente que algumas eram usadas na culinária, mas os registros
mostram que também eram empregadas na produção de óleos aromáticos.(...) o uso,
no passado, de ervas e especiarias como medicamento é ainda mais complicado. Na
maioria das vezes, não há certeza se dada planta era usada como condimento,
remédio, conservante, perfume ou como uma combinação desses usos.
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Muito
pouco se sabe sobre receitas
pré-históricas. Os ingredientes são conhecidos, mas raramente há
evidencias de como eram combinados no preparo dos pratos.
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Os
banquetes e a alta cozinha
são aspectos importantes da atividade social de qualquer sociedade. Os
banquetes podem ser usados para demonstrar riqueza e status pelo consumo
ostensivo de comida e bebida. Tal demonstração às vezes envolve o consumo de
alimentos raros, exóticos ou caros. De outro modo, o status social pode ser
demonstrado pela qualidade dos acessórios de mesa. Nesse contexto, o gosto não
é simplesmente questão de paladar, mas de moda. Gosto requintado e riqueza para
sustenta-lo são, com frequência, marcas de distinção em uma sociedade
hierárquica de classes. Os banquetes, com certeza, estão presentes em
sociedades de caçadores-coletores.
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A
maioria dos estudos sobre alimentos pré-históricos concentra-se em aspectos
econômicos. Tais estudos tratam de como as pessoas sobreviviam, e, embora esse
aspecto seja importante, é evidente que a vida não é apenas sobrevivência.
Tendências recentes em pesquisas arqueológicas ressaltam as importantes
diferenças entre “comida” e “dieta” e chamam a atenção para o contexto social
no qual o alimento é consumido.
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Algumas
questões sobre gosto podem ter sido bastante influenciadas por nosso passado
evolucionário ou por nossas necessidades alimentares, enquanto outras foram
ditadas pelo ambiente e pela disponibilidade. Não obstante fica claro que
existia igualmente na pré-história uma rica variedade de sabores a escolha, e
as escolhas eram ditadas por forças sociais. Alimentos e bebidas usados nos
banquetes podem ter sido escolhidos pela qualidade, pela natureza exótica ou
ainda por suas qualidades inebriantes. O prestigio a mesa poderia resultar de
quantidade, raridade, novidade ou moda dos alimentos e utensílios. A religião e
os tabus devem ter exercido influencia também. E deveria haver, como hoje em
dia, simples gostos e aversões individuais, os mais difíceis de serem
estudados.
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*A história do Sabor - Paul Freedman, Organizador; Tradução de Anthony Sean Cleaver – São Paulo; Editora SENAC SÃO PAULO, 2009
Imagem 1 disponivel em: <
Imagem 2 disponivel em:< Acesso em 12 jun 2015
Imagem 3 disponivel em: <Acesso em 12 jun 2015
Imagem 4 disponivel em: <Acesso em 12 jun 2015
*A história do Sabor- Paul Freedman, Organizador; Tradução de Anthony Sean Cleaver – São Paulo; Editora SENAC SÃO PAULO, 2009
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