segunda-feira, 22 de junho de 2015

Fichamento da obra: "FESTA do Divino Espírito Santo em Alcântara (Maranhão)

Imagem 1 - Caixeira na Festa do Divino


  • A Festa do Divino é a única sobrevivência das comemorações hierárquicas, mantendo, com gravidade natural e devota, as cerimonias majestáticas, na pretensão reverente à terceira pessoa da Santíssima Trindade. O Imperador  simboliza essa grandeza à qual todo respeito é devido.
  • Jayme Cortezão afirmava que a devoção do Divino um índice do impulso expansionista de Portugal, ainda na dinastia de Aviz. É um Deus alado, vencedor das distancias, leve, poderoso, mudo, sem a limitação física do cansaço.
  • A Festa do Divino, no tempo da Rainha Santa até o derradeiro Borgonha, era um simples "bodo" aos pobres, alegria caridosa e não bailarina. Quem populariza o titulo de "Imperador" na península é Carlos V, genro de D. Manuel, o venturoso de Portugal.
  •  A Festa do Divino, com imperador, mordomos, damas, açafatas, guardas, guerreiros, pajens, musica e antes a "folia" agenciadora ou complementar dos recursos, era orgulho reinol e conquistou o negro escravo, num desejo puro de sublimação e alívio compensadores.
  • A coroa do Imperador do Divino, tão divulgada nos domínios insulares portugueses e de onde veio para o Brasil com aparato cortejador e impositivo da "autoridade" divina simbólica, é a velocidade inicial que irá influir em todos os folguedos brasileiros onde existir personagem coroado! Todo o ciclo de Reisados, Congos, Congadas e Congados, coração do Rei dos Congos, o mirabolante Maracatu, receberam a poderosa influencia do Divino nos planos da indumentária e, notadamente, no uso da suprema insígnia real.
  • Nenhum soberano da Africa Negra, antes da presença continental do português, conheceu a coroa de Rei! Foi a imagem do "Rei coroado" dos Aviz a fonte para a imitação africana.
  • Depois de 1646 os Reis de Portugal não mais aparecem coroados, por  ter D. João IV oferecido a coroa à imaculada Conceição de Maria. (...) Diziam ter sido a razão da escolha, Imperador e não Rei, quando da independência.



A CIDADE


Imagem 2 - Cidade de Alcântara, vista aérea

  • Nasceu da aldeia de índios Tupinambás que expulsaram os Tapuias para o interior. Daí o nome - Tapuitapera, ou seja, lugar onde existiu a taba, hoje tapera, dos tapuias.
  • Os primeiros a visita-la foram os franceses, quando da tentativa de implantação da Equinocial no Maranhão. Expulsos os franceses, as terras de Tapuitapera foram doadas a Jerônimo de Albuquerque, como recompensa pela tomada do Maranhão aos invasores.
  • Em 1616, foi criada a Capitania de Tapuitapera, posta sob o governo de Martins Soares Moreno, provavelmente capitão-mor de Jerônimo, e abrangia o território da baia de São Marcos ao Pará, sem definidos limites, povoado de "infinitos índios", que outros portugueses se encarregaram de exterminar.
  • Em 1648, Antônio Coelho de Carvalho a erigiu em vila, com o nome de Vila de Santo Antonio de Alcântara, de conformidade com os poderes que el-Rei lhe atribuía. Consagrou-a a São Matias, instituindo-lhe a Câmara e erguendo-lhe o pelourinho, símbolo da autoridade legal.
  • Alcântara significa a ponte, e vem a ser por singular coincidência, a ponte entre o sertão e a capital.
  • Tão importante era sua privilegiada posição geográfica que se impôs a necessidade de construir-lhe uma fortaleza, a de Santo Antônio, que "não só defendesse a vila, mas também fosse um surgidouro em que pudesse dar fundo um esquadra".
  • Em 1650, havia um barco que explorava o monopólio do comercio em São Luis, e o porto ficava ao sul da vila, do outro lado atual, e, segundo Pereira do Lago, media 38 palmos de profundidade, chamando-se "Porto dos Barcos".
  • Em 1680, era de penúria a situação da Colonia, produzindo pouco e mal o algodão e o açúcar, que não davam para o consumo, nada rendendo ao erário real por não haver o que taxar.
  • No entanto, em Alcântara, em 1712, havia quem deixasse de herança bens no valor de 3 contos de réis, entre os quais objetos de ouro e prata e trajes de seda, posto que o Estado "molentava-se em profundo marasmo", e dos engenhos alcantarenses apenas um não estava de fogo morto, como informava o Governador ao Rei, até que a Coroa comprou o ultimo donatário a Capitania de Cumã.
  • Foi neste seculo que se verificou a mudança do porto para o outro lado da vila, onde se demora hoje o "Porto do Jacaré". 
  • Dizia Melo e Povoas que Alcântara era vila "mui populosa e mais rica do que São Luis, por ter muitos lavradores abundantes de escravos", e em 1813 figurava, juntamente com  a capital, Aldeias Altas (Caxias), Vinhais, Paço do Lumiar, Icatu, Guimarães e Monção, como as 8 vilas representativas da estrutura econômica do Maranhão.
  • Em 1817, era "vila grande com boa casaria vistosamente situada em terreno levantado", e, em 19, tinha muitas casas solidas de cantaria, grandes negócios e seus 8000 moradores desfrutavam de "florescente e crescente bem-estar".
  • A capitania do Maranhão ocupava o 4º lugar  na economia da Colonia, enquanto São Paulo ficava em 7º.!
  •  Quando da Republica, limitou-se o povo a assistir aos arredores patrióticos da junta, após o inflamado discurso de um bacharel, depredar o pelourinho arrancado de seu pedestal, enterrado em cova previamente  aberta para ocultar, aos olhos da Nação, o brasão com as quinas portuguesas. Acreditava-se que demolindo os símbolos modificariam o caráter dos homens; a Republica perpetuou os vícios e erros da Monarquia, e nem poderia ser diferente, pois os mesmos conservadores tornaram-se, do dia para a noite, Republicanos, para defender, a todo custo, seus próprios interesses.
  • Durante muitos anos relegada ao abandono, e após abrigar criminosos, como presídio do Estado, está agora destinada a sediar uma base de lançamento de foguetes espaciais! suprema ironia da sorte: A mais avançada tecnologia implantada na vetusta Tapuitapera, três vezes centenária!
  • Com o "progresso" chegaram as maquinas, os veículos trepidantes, que menos estragos lhe causam às ruas estreitas e mal calçadas, abalam menos os seus velhos sobrados do que os males que lhe fazem os alienígenas à sua cultura, Porque se lhe restam alguns prédios, desorganizam-lhe a vida, alteram-lhe os hábitos, desintegram-lhe a personalidade.
  • É o preço do progresso - dizem. mas a troco de quê? Muito mais de sonhos e lembranças, acrescentamos nós.



A FESTA


    Imagem 3 - Festa do Divino em Alcântara


    • A Festa do Divino Espirito Santo teve sua origem em Portugal, com a construção da Igreja do Espirito Santo, em Alenquer, estabelecida pela rainha Dona Isabel, no seculo XIII. Chegou ao Brasil no seculo XVI e ganhou popularidade em todo o país, notadamente em Rio de Janeiro, São Paulo (Irmãos da Canoa), Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Maranhão e Goiás.
    • Em Alcântara, dizem que teve início quando da frustrada visita de Pedro II; então, os negros (?), decepcionados, levaram o cortejo até à igreja, coroando um imperador e "inventando" a festa.
    • Longe de seu antigo esplendor, realiza-se em todo o Estado, notadamente na cidade de Alcântara, de Quinta-feira da Ascensão do Senhor ao Domingo de Pentecostes, datas móveis do mês de Maio.
    • A festa começa carregado de expectativas, o vigário paroquial lê, com voz grave e pausada, os nomes escolhidos para patronos, no próximo ano: 13 pessoas - 1 Imperador (que a cada ano, se alterna com a Imperatriz), 1 Mordomo-Régio (Mordoma no caso da Imperatriz), 5 Mordomos-Baixos e 6 Mordomas-Baixas.
    • Com dificuldades financeiras, nem sempre se conseguem 13 festeiros. Geralmente há de 3 a 8. Só não faltam o Imperador (ou Imperatriz) e o Mordomo-Régio (ou Mordoma).
    • O Império cultua uma coroa de prata maciça, encimada por uma pombinha, pertencente à igreja, cuja guarda é confiada ao Imperador até o fim da festa. Aos Mordomos, uma pomba, em tamanho natural, de gesso ou madeira.
    • A cor oficial do Imperador é a vermelha; o verde, a cor do Mordomo-Régio. Os demais adotam o azul-claro ou rosa.
    • A Folia do Divino é constituída de 3 caixeiras, 3 bandeiras, 1 bandeireiro, 2 cidadãos de confiança e carregadores para o transporte das ofertas de toda a espécie, e que incluíam galinhas, perus, patos, cofos de farinha, etc. E ainda o "Vicente", assim chamado o menino que recolhia as esmolas em dinheiro, quer fosse Pedro, Paulo ou Simão.
    • As caixeiras, geralmente idosas, são quase sempre lavadeiras, que pouco trabalham pelo ofício, visto como as funções do Divino só lhes deixam livres três meses no ano.
    • As bandeireiras são meninotas de 10 a 14 anos, que conduzem pequenas bandeiras brancas, ou vermelhas, com a coroa do Divino bordada no centro.
    • Os "responsáveis" marcham atrás, reversando-se no transporte da coroa de prata (ou da pomba de cerâmica) guardada numa caixa redonda, de folha-de-flandres pintada.
    • Durante dez anos a festa se realizou na Igreja do Rosário dos Pretos, no bairro Caravela.
    • Terminado o oficio (Sábado, rompendo a Aleluia) recebe-se os ovos, o açúcar para as guloseimas da festa.
    • Quarta-feira, véspera de Ascensão. acontece o cortejo, constituído de festeiros, caixeiras, músicos e toda a multidão percorre as ruas da velha cidade até atingir a praça, onde é erguido o mastro, plantado e enfeitado com cachos de banana e cocos da praia. Durante o percurso, as cantoras tiram versos.
    • No dia seguinte, Quinta-feira de Ascensão, caixeiras e bandeireiras promovem uma "alvorada" ao pé do mastro, cantando e tocando por uma meia-hora, após os que se retiram. Dirigem-se à igreja onde o Imperador é coroado, nas mãos, recebe o cetro, ao mesmo tempo em que um pombo branco esvoaça pela nave, ansioso, até encontrar a porta por onde escapa.
    • Forma-se novamente o cortejo e dirigem-se para a casa do Imperador, onde são recepcionados com farta mesa de doces, chocolate grosso e licores de jenipapo, maracujá, murici, goiaba, etc.
    • Os doces são pudim, pão-de-ló, queijadinha, broa, bolo de tapioca, mãe-benta e pastilhas. Os celebres doces de espécie, especialidade de Alcântara, receitas transmitidas de geração a geração, simples ou duplos, no feitio de folhas, cestos, maxixes, quiabos, bichos, etc., são formas de massa de trigo, ovos e manteiga que recebe o delicioso recheio e inigualável doce-de-coco.
    Imagem 4 - Famoso doce de espécie de Alcântara

    • O Imperador como figura mais importante dos festejos, oferece duas mesas de doces: uma, nesta Quinta-feira de Ascensão, outra, no Domingo de Pentecostes. Os Mordomos são obrigados a dar doces nos dias em que recebem as visitas do Imperador.
    • No sábado seguinte, durante o dia, mocinhas e crianças, sempre acompanhadas das caixeiras, se entregam à "ciganagem", novo recolhimento de pequenas oferendas: um maço de vinagreira para o arroz-de-cuxá, dois limões para a batida, uma talhada de jerimum e uma garrafa de cachaça.
    • Todos os dias da semana são dias de festa, isto é, na segunda, na terça, na quarta, na quinta e na sexta-feira os Mordomos continuam a visitar o Imperador.
    • E tome bailes e comedorias e pagode. A bebida não é muita, mas é forte, e são muitos os que se deixam levar, com o doce sabor dos licores, a resultados desastrosos.
    • Domingo de Pentecostes o almoço é vario e farto, toda a tradição da cozinha portuguesa, apurada pelo negro e pelo índio, é revivida. Vem a galinha assada, o pato ao molho pardo, o vatapá com bolo de fubá de arroz, as tortas dos enormes camarões de Alcântara com acompanhamento de farinha d'água. E o molho de pimenta grosso e ardente pedindo grogue. Vinho à vontade, doces de massa e de calda. De batata-roxa, de buriti, de coco, baba-de-moça e de goiaba, as frutas nadando nas compoteiras de bico-de-jaca, remanescentes de outra festas, de outras casas muito maiores e mais ricas, tempos de Mãe Calu, tempos de escravos e senhores de escravos, pretos no eito plantando algodão, branco no Senado da Câmara fazendo politica, Sinhozinho em Coimbra estudando "leses"... o licor passando entre os circulantes.
    • Com o fim da procissão do ultimo dia de festa, todos ficam ansiosos pela revelação dos nomes dos festeiros do próximo ano, escritos no "pelouro", papeizinhos preparados.
    • No dia seguinte, o Imperador irá de casa em casa investindo nas funções os escolhidos. Acabou-se a Festa do Divino. Outra Festa do Divino está começando.


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    Fontes:

    LIMA, Carlos de. A Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara (Maranhão). 2/[ ed. Brasilia: Fundação Nacional Pró-memoria/ Grupo de trabalho de Alcantara, 1988.

    Imagem 1-Caixeira na Festa do Divino. Disponivel em:<http://arquivo.geledes.org.br/patrimonio-cultural/artistico-esportivo/manifestacoes-culturais/1636-a-festa-do-divino-espirito-santo-no-maranhao-e-suas-caixeiras> Acesso 22 jun 2015
    Imagem 2 - Cidade de Alcântara, vista aérea. Disponivel em: culturaemresgate.wordpress.com>Acesso 22 jun 2015.
    Imagem 3 - Festa do Divino em Alcântara. Disponivel em:<www.portaldodivino.com>Acesso 22 jun 2015.
    Imagem 4 - Famoso doce de espécie de Alcântara. Disponivel em:<www.bonde.com.br>Acesso 22 jun 2015.



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