Imagem 1 - ilustração da capa da obra
1.
As
especiarias na história
(páginas 9 - 28)
- Em 1294, o Ocidente começa a descobrir a China misteriosa que até então ninguém visitara ou percorrera. Claro, os grandes impérios do Mundo Antigo já mantinham algum contato, mas por meio de cascatas de intermediários, sem nenhuma relação direta. A verdade é que praticamente se ignoravam. No ocidente, a história se desenrolara em Atenas e Roma, Alexandria e Bizâncio, Bagdá e Babilônia.
- Quando os Polo a descobrem, a China, por seu lado, representa um antiguíssimo e gigantesco império autárquico sob o julgo do rigor de soberanos mongóis, isolado e ignorado no Ocidente. Os romanos nada conhecem da China; nenhum deles nunca colocou os pés lá; o próprio Plinio ignora sua existência, ao passo que cita a Índia e o Ceilão, conhecidos por ouvir dizer. No entanto, na sua época, as especiarias do Extremo-Oriente já chegavam via Oriente mediterrâneo, à mesa dos cidadãos de Roma.
- Para os nutricionistas contemporâneos, o termo Arômatas, - vinda da antiga Arábia – designa qualquer substancia acrescentada a um alimento ou a uma bebida para lhes modificar o sabor ou aroma. Na época, ainda não existia a palavra “especiaria”, surgida na França em cerca de 1150 e derivada do latim species, “espécie”. Porém, desde os primórdios, ouro e especiarias são associados ficando na história como sinônimos dos bens mais preciosos.
- A Bíblia confere a acepção mais ampla a palavra “arômatas”, citada sobretudo no Cântico dos cânticos, onde é evocado “um pomar de romãzeiros carregado de essências raras, nardo e açafrão, cálamo, árvore do incenso, mirra e aloé, o cinamomo, os mais delicados arômatas. Portanto, o cinamomo, que não é outra coisa senão a canela, chegava bem antes da nossa era no contorno mediterrâneo.
- Na ilha de Lesbos, as discípulas da bela Safo, poetisa do século VI a. C., já se perfumavam com canela. Os poemas sáficos mencionam também o açafrão, que brotava na Grécia, onde suas flores roxas e seus estigmas carmim eram bastante utilizados. Estes últimos serviam, ao lado da canela, para aromatizar o vinho, e suas flores eram urdidas em forma de coroa para honrar os deuses.
- Na Babilonia, Nabucodonosor, apreciava os pratos e vinhos com especiarias.
- O Egito antigo também foi um grande consumidor de plantas medicinais, perfumes e arômatas, oferecidos em sacrifício aos deuses ou aos homens para homenageá-los, honra-los, cura-los ou embalsama-los.
- Os árabes armazenavam de fato os preciosos arômatas ao longo da costa somali, ou “Costa das Especiarias”. A própria alimentação era fortemente condimentada, assim como as bebidas (vinho, vinagre, cerveja). Para isso era utilizadas plantas que cresciam espontaneamente no Egito, mas também especiarias vindas de longe, como a canela, o cravo-da-índia e a noz-moscada. O vinho acanelado era de consumo corrente e seu uso ainda não foi abolido em nossa época apreciadora de sangrias e vinhos quentes.
- O garum é um molho picante produzido pela decomposição de vísceras de peixes expostos ao sol durante dois meses; evoca o tradicional nuoc-nam (resultado de uma transformação biológica por fermentação que torna assimiláveis os elementos nitrados presentes na carne do peixe) da cozinha vietnamita. a adição previa de sal limita a proliferação da flora bacteriana e propicia sua conservação. Quanto ao vinho palhete, é obtido com uva colhida antes da maturação e exposta sobre um leito de palha onde termina de amadurecer.
- Quando os romanos conquistaram a Gália, encontraram hábitos alimentares pouco refinados. So o açafrão é então utilizado para temperar os pratos. Mas Roma logo introduz seus próprios costumes culinários, que se propagam rapidamente, sobretudo o uso do garum em sua versão perfumada ao cardamomo, cominho, menta e pimenta. Quanto aos vinhos, são frequentemente aromatizados ao absinto.
- Com Roma ameaçada pelos bárbaros, a pimenta logo se torna uma nova moeda de troca. O império Romano decai e o comercio das especiarias cessa brutalmente no Ocidente. Constantinopla então pega o bastão, e aproveitando-se do declínio de Alexandria, torna-se o epicentro desse mercado. Dizem que era grande a paixão pela noz-moscada.
- Depois de um relativo declinio durante o período merovíngio, as especiarias voltaram a abundar nas mesas dos senhores e personalidades ocidentais. Porém tudo indica que isso também aconteceu nos mosteiros, pois, há uma impressionante coleção de especiarias e substancias similares. Eis a lista: pimenta, açúcar, passas, lavanda, anis, trigo-sarraceno, canela, cravo, cominho, coentro, cardamomo, ciperos, gengibre, gronofilos, alcaçuz, ameixas.
- Mais tarde, Carlos Magno figura a lista de setenta e uma plantas a serem cultivadas em todos os domínios imperiais. Naturalmente, as especiarias de origem exótica não constam dela, mas ali encontramos anis, aneto, salvia, alecrim, segurelha, hortelã, salsa e ligústica.
- Passa-se a julgar o anfitrião pelo requinte de seus pratos e pela diversidade de especiarias oferecidas, o que torna um sinal visível e real de riqueza.
- É preciso lembrar que as más condições de conservação dos alimentos e a relativa pobreza dos produtos disponíveis também explicam essa fascinação. Na ausência de um sistema de refrigeração, as carnes estragavam e os molhos temperados com especiarias cumpriam a função de mascarar o sabor macerado.
- Parece que nessa época o gengibre predomina seguido pela canela, o açafrão e o cravo-da-índia. Presentes nos molhos, mas também nas compotas, doces, tortas, consomes e confeitos dragées, as especiarias conferem a esses diferentes pratos seus sabores picantes e ardentes.
- Nos banquetes, os vinhos aromáticos correm a rodo e o hipocraz, vinho de canela, é frequentemente emulado pelo vinho ao gengibre, preconizado por Nostradamus, um grande amante de geleias e marmeladas. Por extensão, elas logo passaram a ser consideradas como especiarias, assim como as confeitarias, as compotas, os pães perfumados que guarnecem as mesas aristocráticas.
- Com as cruzadas tendo dado inicio à entrada maciça das especiarias exóticas nas mesas europeias, elas ocupam de agora em diante todos os espaços. Carne, pão, vinho, legumes, peixes, doces, tudo é condimentado. A época também vê surgir o reputado pão de especiarias, à base de mel.
- No Renascimento os pratos condimentados arômatas do Oriente sempre estarão em alta.
- Mais tarde, no século XVII, aparecem grande novidades: por intermédio da Espanha, a América fornece o chocolate; da Ásia, chega o chá; e da África, o café.
- A partir do século XVIII, esboça-se uma nítida evolução dos condimentos à base de especiarias, mas de composição complexa. Ao mesmo tempo, o abuso tende a diminuir e o sabor dos pratos a se impor por si mesmo. De todo modo, as especiarias se especializam: a canela e gengibre, por exemplo, são de agora em diante reservados exclusivamente aos alimentos açucarados.
- Atualmente, embora o Oriente continue a fazer um grande consumo de especiarias, o Ocidente deixou um pouco de lado os sabores fortes, tão prezados na Idade Média.
- Assim, salvo exceção, o vinho deixou de ser condimentado, o restando esse privilegio para alguns licores e este ou aquele aperitivo. O pain-d’épices – pão de mel com especiarias- também manteve o carisma, apesar de um relativo descredito já constatado por Henri Leclerc em sua obra sobre especiarias datada de 1929.
- No entanto, ao longo de todas as ultimas décadas a busca por outras terras e a curiosidade por outra culturas relançaram o gosto pelas especiarias: nas casas e apartamentos, raras são as cozinhas não guarnecidas com os pequenos potes de condimentos que fizeram delicias do comercio de outrora.
Imagem 2 - ilustração de temperos e especiarias
2. As antigas rotas das especiarias
(páginas 27 - 39)
- Presentes nos alimentos, nos remédios, nas misturas destinadas ao culto, utilizadas para o prazer, a saúde e o sagrado, as especiarias estão integradas na história das civilizações.
- Muito cedo o Egito Antigo já importava especiarias utilizadas tanto na cozinha quanto na mumificação dos cadáveres e nos rituais sagrados: o incenso e a mirra vinham da Arábia Feliz (o lêmen atual) e do Chifre da África (a Somália); a canela já chegava da Índia e do Ceilão.
- No Extremo Oriente, as trocas comerciais entre a China, a Índia e a Malásia desenhavam a primeira e mais antiga rota das especiarias. Depois o comercio se dirige para o Oeste, por terra e mar, rumo à Pérsia, à Arábia e à bacia do mar vermelho. Os Egípcios passaram então a se ocupar do sul e dos fenícios do norte.
- No Ocidente, a África foi o primeiro destino dos caçadores de especiarias. Nove anos depois de sua ascensão ao trono, em 1481 antes de nossa era, Hatschepsut, rainha do Egito, enviou pelo mar Vermelho um expedição ao mítico país de Punt, que se estendia ao longo do litoral até os confins da Etiópia e do Sudão atuais. Ao retornar a expedição, trouxe madeira de ébano, incenso (olíbano) e mirra.
- No Egito, as especiarias desempenham um papel essencial nos rituais de embalsamento e mumificação. O historiador Diodoro da Silicia relatava nesses termos as praticas de embalsamento egípcios: “quando estão reunidos para tratar um corpo depois que já foi aberto, um deles enfia a mão na abertura do cadáver até o tronco e extrai tudo, exceto rins e o coração. Um limpa cada viscera lavando-a no vinho de palma e nas especiarias. Embalsamam cuidadosamente o corpo durante mais de trinta dias, primeiro com óleo de cedro e alguns preparados, e depois com mirra, canela e especiarias, por terem a faculdade não só de preserva-lo por um longo período, como também de lhe conferir um odor perfumado”.
- Para se abastecer de especiarias, o faraó Ramsés III (século XII a.C.) organiza expedições marítimas, depois de terem percorrido o mar vermelho de norte a sul, margeiam a costa da península Arábica e sobem o golfo Pérsico até o Eufrates, cujo vale, no coração das civilizações mesopotâmicas, é então o epicentro da difusão das especiarias e dos arômatas. De lá provinha a canela, a especiaria oriental de registro mais antigo. Mas da Mesopotâmia e do Porto de Aden saíam também a pimenta, o gengibre, o cardamomo, o cravo-da-índia e a noz-moscada procedentes do Extremo Oriente e tendo como destino a bacia mediterrânea. Assim começaram as primeiras rotas das especiarias.
- Mais tarde, sob Ptolomeu XVIII, pai de Cleópatra, um porto foi construído na margem ocidental do mar vermelho, chamado Berenice. Dali as mercadorias eram encaminhadas por caravanas até Alexandria, que se torna o centro do comércio das especiarias. Aliás, uma das portas da cidade se chamava Porta de Pimenta.
- Quando Roma toma o lugar do Egito faraônico, a cidade imperial passa a ser o novo terminal do comercio das especiarias. Nessa época, um acontecimento importante se dá: um capitão grego, Hípalo, consegue um tempo de viagem espantosamente curto do estreito de Bab-el-Mandeb, ao sul do Mar Vermelho, até a costa da Índia.
- De agora em diante, os navegadores cessam de margear as costas da Penísula Arábica, da Pérsia, do Paquistão atual e da Índia, para cortar diretamente pelo alto-mar.
- O surgimento do islamismo dá impulso considerável à atividade dos mercadores árabes cujas caravanas sulcam as trilhas do Oriente Médio, garantindo a interface entre mundo mediterrâneo e mundo asiático.
- À medida que o islamismo foi se implantando na costa oeste da Índia, as trocas comerciais se desenvolveram. As relações com a Pérsia também se intensificaram, e Omar I, segundo califa do Islã, fundou em 635 – três anos depois da morte do profeta – a cidade de Basra, ou Baçorá, no delta comum ao Eufrates e ao Tigre, o Chatt-al-arab.
- O comercio exercido pelos ricos mercadores de Bagdá não tinha com efeito nada de “linear”; existia um bom conhecimento das fontes de abastecimento e das necessidades do mercado.
- As mercadorias compradas ou vendidas “de um mar a outro, de uma terra a outra, de uma ilha a outra, de um ponto de comercio a outro..., o coração alegre e a alma serena”, se apresentavam como se segue: “madeira de sândalo, cânfora, noz-moscada, cravo da índia, cardamomo, cubeba, gengibre, diamante bruto, nardo indiano, cinamomo, pimenta, cana-de-açucar, ouro, pedras preciosas, cocos, babosa, perolas, cristal de rocha, jacintos, âmbar bruto, almíscar...”, sem esquecer, os artigos manufaturados – tecidos, joias, bijuterias preciosas – que os ateliês de Bagdá logo se punham a copiar conscienciosamente a fim de os espalhar a preços módicos pelo conjunto do mundo muçulmano.
- Depois da conquista do Egito, os árabes fundaram em 969 uma nova cidade: o Cairo, nome que significa “a vitoriosa”. Exatamente dois séculos mais tarde, o celebre sultão Saladino criou no Cairo um bairro aberto aos mercadores europeus a fim de desenvolver o comercio – em primeiro lugar, o das especiarias – com as grandes cidades da Europa ocidental. O próprio mundo árabe fazia um grande consumo de especiarias não apenas para realçar a comida, mas também para usos medicinais.
- Desde o século II a.C., a China exportava a seda, cujo monopólio detinha, através de diversas rotas caravaneiras que atravessavam a Ásia.
- A “rota da seda”, termo mítico criado apenas no século XIX, recobre na realidade vários itinerários que partiam da cidade de Chi’an, no noroeste da China. Im praticável no século XX em razão da inacessibilidade da China comunista e das republicas islâmicas da ex-União Soviética, está novamente acessível na atualidade, como mostrou uma recente expedição da UNESCO.
- De leste para oeste, a rota da seda atravessa inicialmente o deserto de Gobi, na Mongólia exterior, depois contorna pelo norte ou pelo sul o terrível deserto de Tacla-Macan, um dos mais inóspitos do planeta.
- Sobre esta grande dorsal leste/oeste ligando a China ao Mediterraneo está enxertado um eixo mais meridional que vem do sudeste Asiatico via Calcutá, o vale do Gange, a Índia setentrional, o desfiladeiro de Kiber, o Afeganistão, até Meched, no Irã, onde encontra a rota da seda propriamente dita. É por esse eixo que circulam as especiarias da Ásia.
- Seda e especiarias veriam seus preços aumentarem à mesma medida de sua progressão para o Oeste, tudo em função das inúmeras aduanas e pedágios cobrados pelos potentados das regiões atravessadas. Passando assim de mão em mão e de mercador em mercador, acabavam chegando aos grandes portos do Leste mediterrâneo, onde eram negociadas a preços totalmente desproporcionais aos do seu valor inicial.
- Veneza teve grande cuidado, no inicio, de não se engajar diretamente nas operações militares a fim de manter seus laços estreitos com os mulçumanos. Graças as intrigas venezianas, a quarta cruzada se dirigiu para Constantinopla, conquistada em 5 de julho de 1203. Com o controle direto do Império Bizantino por Roma e Veneza, aflui então para o Ocidente um fabuloso butim composto de grande parte das riquezas acumuladas por Constantinopla ao longo dos séculos. Mas logo se seguiram uma desorganização do comercio das especiarias e uma penúria que levou a Espanha e a Provença a se aclimatarem ao açafrão, cujo cultivo passou a ser feito em larga escala. Em seguida foram reestabelecidos os circuitos comerciais e a dominação de Veneza se afirmou mais ainda quando, em 1380, com a batalha de Chioggia, conseguiu se livrar de Gênova, sua rival.
- Graças a sua frota de trezentos barcos mercantes, dos quais trinta e cinco de grande tonelagem, Veneza garantia assim o abastecimento de especiarias da Europa inteira. Nos canteiros de obras de seus estaleiros, mais de mil operários se empenhavam na construção de novas embarcações de comercio e de guerra.
- A partir do século II antes de nossa era, Massilia comerciava com Alexandria, de onde importava pimenta, gengibre, cúrcuma, cardamomo e canela. Porem Marselha tentou resistir à pressão veneziana e se mostrou tão ativa que a galera de Aigues-Mortes teve de ser suprimida entre 1465 e 1467. Mas retomou o serviço em 1468 e funcionou regularmente até 1515. Por volta do ano seguinte, as primeiras especiarias chegaram a Marselhas. O mundo havia mudado. Uma nova pagina se abria na historia do mundo e de seus impérios; era Lisboa que ia escrever os novos episódios.
3. As especiarias na época das grande descobertas
(páginas 40 - 62)
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- A partir do Renascimento, o controle das rotas marítimas se torna paulatinamente uma obsessão das grandes potencias europeias. O ocidente empurra cada vez mais para leste suas frotas e ambições. Ao contrario, a navegação no sentido leste-oeste permanece pouco desenvolvida, como por exemplo no caso da China.
- A China se basta a si mesma e se contenta com uma navegação “via correio”. No entanto, os chineses inventaram a bussola e o leme, assim como barcos com até sete mastros e medindo cento e trinta metros de comprimento (a caravela de Cristovão Colombo media apenas trinta metros).
- Quando Henrique, o Navegador, filho de rei João I de Portugal, nasceu em 1399, Veneza estava em seu apogeu. Na juventude, participa da primeira expedição organizada por europeus contra os mouros em seu próprio território, a África do Norte.
- Em 1415, o porto de Ceuta, em frente a Gibraltar, cai nas mãos do rei João. Henrique é nomeado governador da cidade, e é ali que sua vocação se consolida. Na época não se sabia praticamente nada sobre a África Ocidental, a não ser que produzia uma semente estranha de gosto apimentado, a malagueta, chamada de “semente-do-paraíso”.
- Sabia-se simplesmente que chegava por intermédio de caravanas ao litoral norte-africano na Tunísia ou à Tripolitana (atual Libia). Menos cara que a pimenta-do-reino, conquistara a Europa no século XIII.
- As expedições portuguesas se sucederam ao longo de todo o século XV.
- A África só comercializava até então duas especiarias: a pimenta-longa e a “semente do paraíso”, ou malagueta. Mas para o novo rei de Portugal, o objetivo das explorações que queria empreender não era apenas a descoberta da Africa, mas sim a de uma nova rota para as Índias, país das especiarias.
- Em 1471, os navegadores portugueses atravessaram o Equador e, anos mais tarde, Bartolomeu Dias encontra a terra da África no “cabo das Tormentas”, sobre o qual sabemos atualmente que não é a extremidade do continente, estando esta situada mais a leste, no cabo das Agulhas.
- Portugal agora controla toda a costa ocidental da África.
- Cristóvão Colombo, tentou convencer o rei João II a descobrir a rota da Ásia pelo oeste. Mas o soberano, ocupado demais com suas expedições africanas não lhe dá confiança. Assim, já que Portugal se recusa a escuta-lo, é ao soberano espanhol que apresentará suas propostas. Mas este, engajado na guerra contra os mouros de Granada, tem por ora outras coisas com que se preocupar.
- Em 1492, ele chega ao Novo Mundo, certo de ter descoberto uma nova rota para a Ásia. Todavia, resultados materiais dessa primeira expedição se revelam decepcionantes: suas caravelas voltam a Barcelona sem ouro e sem especiarias.
- Em Hispaniola, atual Haiti, os companheiros de Colombo registram uma especiaria fortíssima, que batizam com o nome de pimienta. Mais tarde, Cortès descobre a baunilha. É tudo uma matéria de especiarias. As laboriosas pesquisas de canela no Novo Continente, empreendidas por diversos botânicos, sobretudo o francês Joseph de Jussieu no século XVIII, resultarão todas em fracasso. No entanto, Cristóvão Colombo acreditava piamente que descobrira as Índias e, ao mesmo tempo, as especiarias.
- Um ano depois do retorno de Colombo, as duas potencias da época, Espanha e Portugal, dividem o mundo entre si através do tratado de Tordesilhas, uma linha divisória: para Espanha, o oeste; para Portugal, o leste. O que levará Portugal a intensificar suas explorações do continente africano e da rota orientl para as Índias.
- O Ocidente proporcionaria ouro para os Espanhois; o Oriente, especiaria para os Portugueses.
- Com a morte de João II pouco depois da ratificação do tratado de Tordesilhas, é o rei Manuel quem dá sinal de partida para a frota portuguesa. A navegação prossegue sem obstáculos até o sul da África, onde a flotilha enfrenta um terrível furacão. Depois de Bartolomeu Dias, Vasco da Gama descobre a fúria dos mares austrais. Aterrorizados, os marinheiros suplicam ao capitão para fazer meia-volta; ele não cede, e eis que em meio à bruma surge de repente a grande montanha tabular que Bartolomeu descrevera e que descortina, atualmente sob o nome de Montanha da Mesa, a cidade do Cabo. A tripulação encontra a cruz erguida por Dias e continua sua navegação para Leste.
- Vasco da Gama acaba de ultrapassar o extremo limite das terras conhecidas; deve agora desfazer com astucia o complô daqueles que desejam a todo custo fazer meia-volta.
- A expedição aborda um frágil esquife manobrado por um mouro e alguns negros. O mouro é convidado a subir a bordo. Trata-se de um habitante de Cambaia, na Índia, corretor de especiarias.
- A escala seguinte é em Moçambique, onde a chegada dos portugueses logo desperta a suspeita do xeique local. É então que o “bom mouro” sobressai pois, dominando a língua local, consegue desbaratar seus funestos designios.
- A nova escala é Malindi, no litoral do atual Quenia. Depois de alguns dias de navegação, chega o grande momento: Calicut, na costa ocidental da península índica, a famosa costa de Malabar, ou costa das especiarias, está a vista.
- Descobrem que Calicut é maior que Lisboa. Ducados venezianos e peças de ouro egípcias são ali moeda corrente e as especiarias são vendidas tendo como medida o quintal (antiga medida de peso cuja unidade equivalia a aproximadamente 4 arrobas ou 58,8Kg). O almíscar e o ruibarbo são as mais caras, à frente do cravo-da-índia, da canela, da noz-moscada, da pimenta e do incenso, figurando o gengibre em ultimo lugar na escala de preços. A canela provem de uma ilha distante cento e sessenta léguas ao sul (Ceilão) e o cravo-da-índia, de mais longe ainda, das ilhas Molucas.
- Vasco da Gama deixa Calicut em 20 de novembro de 1498. A viagem de volta se desenrola sem obstáculos, entremeada por algumas escalas, e, em 18 de setembro de 1499, as naus carregadas de especiarias atracam Lisboa.
- Seis meses depois do retorno de Vasco da Gama, o rei Manuel despacha para Calicut uma nova frota de treze naus sob as ordens de Pedro Alvares Cabral. Desta vez, foram embarcados mil e quinhentos soldados, bem como dezessete eclesiásticos, a aliança do trono e do altar projeta exportar a fé católica para as longínquas Índias.
- Essa segunda viagem terá consequências inesperadas. Navegando bem a oeste no Atlântico, Cabral acaba por descobrir uma terra desconhecida, que batiza de “terra de santa cruz”. Trata-se na verdade do Brasil.
- Mais tarde, Portugal conquista Malaca e com ela, o domínio do precioso estreito que permitiria Lisboa controlar o acesso ao arquipélago da Sonda. Ainda mais a leste, os portugueses descobrem no arquipélago das Molucas, nas ilhas de Banda e Amboina, as árvores que dão os preciosos cravos-da-índia e a noz-moscada, cuja procedência ninguém conhecia no Ocidente. A partir de 1513, as Moluscas fornecem a Lisboa cem quintais de noz-moscada.
- No entanto, Portugal ainda tem que enfrentar outros competidores. De fato, seus marujos não foram os únicos a singrar ao largo do litoral africano. Mas nenhuma publicidade foi feita a respeito dessas expedições empreendidas por simples marinheiros, e, como ocorre com frequência na história, o mérito dos descobridores não foi reconhecido. É então que o cenário armado com a Espanha se reproduz com a França.
- Com a Espanha e a França eliminadas pelas especiarias, restam os ingleses. Estes não tem mais nenhuma chance. Assim, em 1580, Portugal está ao lado da Espanha e o rei Filipe II se vê à frente do maior império do mundo, como o poderio de Madri está em seu apogeu, o melhor para Inglaterra é esperar.
- Os mercadores holandeses tinham o costume de se abastecer em Lisboa e distribuir na Europa setentrional especiarias e outros gêneros preciosos trazidos pelas frotas portuguesas.
- Os portugueses conservaram ciosamente o segredo das rotas marítimas cujos mapas elaboraram e cuja divulgação era punida com a pena de morte. No entanto, um alto dignitário espanhol consegue vender por uma fortuna vinte e cinco desses mapas a um impressor holandês que os reproduz por conta própria.
Imagem 4 - Mapa holandês das Ilhas das Especiarias
do começo do século XVII: riqueza e cobiça
- A escala do poder dos holandeses se torna irresistível. Depois de ter expulsado os portugueses das Moluscas, a Holanda instaura sua soberania sobra Java e funda a cidade de Batávia, que se torna capital das Índias holandesas.
- A França e Inglaterra veem naturalmente com maus olhos a emergência dessa potencia holandesa e fundam por sua vez poderosas companhias. Os ingleses vão preferir desenvolver com a China o comercio do chá e do ópio, ao passo que a França, em seus balcões da Índia, em Pondichery ou Chandernagor, negociarão a seda, o arroz e o café.
- Noz-moscada e cravo-da-índia são com efeito, na época, as especiarias mais procuradas e mais caras; ora, elas só crescem nas ilhas desse arquipélago. Como é impossível controlar tamanha quantidade de ilhas e ilhotas, concentram a produção desses dois preciosos gêneros em determinadas terras. Assim, a noz-moscada só será cultivada nas ilhas Banda, e o cravo em Amboina.
- A ilha de Amboina era mantida por uma guarnição holandesa e um forte a protegia. Militares percorriam a costa e navios patrulhavam em torno das ilhas. Outros destacamentos supervisionavam a destruição das arvores quando estas cresciam de novo entre as florestas devastadas.
- A destruição maciça das árvores depois do desfolhamento mergulha as populações nativas na miséria. Pior ainda: os holandeses, desconfiando deles, pioram suas condições de vida ao importarem escravos para cultivar as plantações sob seu controle.
- Os holandeses faziam correr o boato de que as moscadeiras e os craveiros só conseguiam crescer e se desenvolver no arquipélago das Molucas.
- Qualquer roubo de sementes ou de botões, qualquer plantação não controlada ou não autorizada são punidos com a morte. Para garantir o domínio absoluto das cotações, os holandeses procedem À regulação do mercado e fazem estoques prolongados. Se preciso queimam também os estoques.
4. Pedro Pimenta: o ladrão de especiarias
(páginas 63 -80)
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- Pimenta é um cientista botânico, uma espécie de “cientista-aventureiro” que conseguiu roubar as especiarias dos holandeses, mesmo tendo perdido uma das mãos, levada por um projétil de canhão.
- Pedro Pimenta, de nome predestinado (em francês Pierre Poivre), nasceu em 23 de agosto de 1719 em Lyon. Embora se dissesse filho de fabricantes de seda, seus pais eram modestos em armarinhos, tendo adquirido esse nome talvez de um distante ancestral especieiro.
- Aos vinte e um anos, parte para o Oriente, seguindo a vocação de ordem religiosa. Pimenta chega à China, porém mal desembarca se vê na prisão. Lá aprende a língua chinesa, o que lhe permite defender sua causa e ser libertado. Encontra-se sucessivamente em Cantão, Macau e até na Cochinchina.
- Pimenta se interessa sobretudo pelos alimentos terrestres: o arroz de montanha (ou de sequeiro: arroz cultivado em terrenos que prescindem de rega) e aquelas famosas especiarias. Assim, depois desse breve espisodio religioso, será botânico e explorador.
- Pedro Pimenta embarca num navio da Companhia Francesa das Índias com o destino no Oriente. Tem vinte e cinco anos e já possui um belo herbário, bem como numerosos documentos coletados durante suas viagens precedentes. Mas a França está em conflito com a Inglaterra: é a guerra de Sucessão da Áustria: o navio é atacado por uma embarcação britânica e, no tombadilho, o jovem francês perde sua mão e consciência. Quando volta a si está abordo de um barco inimigo onde um cirurgião-barbeiro trata de costura-lo. Pedro Pimenta se recupera.
- Na escala na ilha da França – atual ilha de Mauricio -, projeta com o célebre governador da época, Mahá la Bourdonnais, fazer daquela terra uma ilha das especiarias.
- É verdade que o sobrinho do governador, o Irlandês Friel, também arquitetara um plano para se apossar das especiarias holandesas. Pimenta finalmente chega à Cochinchina, de onde traz caneleiros, pimenteiros e outras espécies tropicais. Depois volta à ilha França, onde se apressa a depositar escrupulosamente nas lojas da Companhia os presentes que recebeu na Cochinchina.
- Embarca em seguida para Manila, onde, seguindo informações secretas, pressente a presença de craveiros e moscadeiros. De Manila alcança Pondichéry.
- Pimenta é obrigado a voltar à ilha da França em 1753 com apenas cinco mudas enraizadas de moscadeiras, algumas sementes de noz-moscada em ponto de germinar e alguns craveiroa, que entrega ao botânico Fusée-Aublet, diretor do jardim de aclimatação.
- De fato, existia entre as Filipinas e as Molucas um comérico clandestino de cravo e de noz-moscada. Pimenta se vestiu como nativos para escapar à vigilância, e, para enganar a aduana, costurou suas nozes-moscadas no forro de seu casaco.
- Uma nova expedição é então financiada para rumar diretamente, desta feita, para Molucas. Em 1º de maio de 1754, a Colombe aparelha. Desta viagem Pimenta trouxe três mil sementes de noz-moscada e de diversas mudas de especiarias e de frutas de diferentes espécies. As nozes trazidas do Timor são então novamente entregues a Fusée-Aublet. Um pouco mais tarde, este anuncia que as mudas morreram, como as primeiras, e que aliás não se trata de noz-moscada, mas de noz-de-areca. Uma investigação séria é então realizada e o desastre é imputado ao botânico que pura e simplesmente sabotou as culturas, tratando as nozes com água fervente e ácido.
- A Companhia das Índias abriu falências e cedeu suas colônias ao rei da França.
- Uma nova expedição é realizada, confiada ao capitão Provost-d’Etcheverry. Vê-se então que o monopólio holandês não é tão impenetrável quanto se pensava, sobretudo quando se dispõe de sólidas embarcações, quando se sabe habilmente fazer aliança com os nativos, e quando se possui algumas amidades sólidas travadas durante viagens anteriores. É na ilha de Patani, nas Molucas, que o potentado local, desejoso de abalar o jugo holandês, fornece ao enviado de Pimenta um carregamento completo de moscadeiras e craveiros-da-índia.
- Dois anos mais tarde, em junho 1772, o monopólio holandês é novamente atacado e quebrado quando o Nécessaire e o Île de France entram na baía de Port-Louis, em Mauricio, trazendo a bordo milhares de sementes de noz-moscada. Desta vez, Fusée-Aublet não está mais presente: agradeceram-lhe polidamente e voltou à França. Porém, prudentemente, Pimenta decide dividir as culturas entre a ilha Bourbon (ilha da Reunião), as Seychelles e Mauricio. Envia também sementes e mudas para a Guiana Francesa, onde se aclimatarão perfeitamente.
- Durante sua temporada na ilha Mauricio, Pedro Pimenta cria soberbo Jardim das Toranjas nas terras do domínio de Mon Plaisir, onde se instalara. Planta ali diversas espécies raras importadas de todos os continentes e cultivadas com amor por seus cuidados. Esse jardim é um dos mais belos “jardins de aclimatação” do mundo.
- A ilha Mauricio, escala das embarcações árabes, depois das naus portuguesas, anexadas pelos holandeses que acabaram por abandona-la aterrados pela violência dos ciclones, a ilha é reconquistada pelos franceses que ali se instalam em 1715. Retomada pelos ingleses em 1810, conserva suas traições e permanece a única ilha francófona do ex-imperio britânico. Atualmente independente, garante o convívio de homens e mulheres pertencentes às mais diversas culturas e religiões, dando mostras com isso da possibilidade de uma rica aliança entre comunidades diferentes.
- No século XIX, as especiarias perdem um pouco de seu prestigio. O açúcar, o chá, o cacau e o café ocupam agora o primeiro lugar. Preferencias nacionais se afirmam: a cozinha francesa recorre mais frequentemente à noz-moscada, a inglesa ao macis, a espanhola ao açafrão... chega a “modernidade” e, com ela, o gosto pelo exotismo, o turismo de massa, a democratização das viagens, a proliferação dos restaurantes chineses, japoneses, marroquinos, antilhanos etc. com isso as especiarias voltam à ordem do dia.
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Fonte: PELT, Jean-Marie; tradução, TELLES, André. Especiarias & ervas aromáticas:
história, botânica e culinária. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
Imagem 2 - ilustração de temperos e especiarias. Disponivel em:<
Mapa holandês das Ilhas das Especiarias do começo do século XVII: riqueza e cobiça. Disponivel em:<http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/saiba-mais-busca-portugueses-especiarias-seculo-16-688591.shtml>. Acesso em 16 AGO 2015
Imagem 4. Disponivel em:<>. acesso em 16 ago 2015
Imagem 5. Disponivel em: <>. acesso em 16 ago 2015